domingo, 30 de março de 2008

Olhares

Abro mão da minha voz revolucionária e enfio a mão naquilo que há de mais deslumbrante aos olhos de um simples rapaz como eu. Aquilo que movimenta as mais intensas inspirações e promove as mais ardentes sensações. Devo-te dizer o quanto me enche de desejos aqueles olhares. O quanto me alegra ver tamanha beleza de tal natureza. Beleza que atropela a razão, a racionalidade e é capaz de me envenenar por recreios a fio. As cores novas, os peitos novos, os novos brancos dos dentes. Desfaço-me dos antigos mal-estares e me vejo novamente reparando curvas, marcas e tornozelos. Atraído por essa força irresistível. E deixando ser levado por ela.

terça-feira, 11 de março de 2008

macrominúcias

Ontem falei de mundo.
Caí de novo na velha melancolia de perceber que há tantos em estado de dormência, tantos que sabem como mudar mas se acomodam, passivos, no macio sofá do ócio.
É duro pensar que não verei outro mundo por conta dos belos escritos nos papéis avulsos que ficaram por ser lidos, sob o colchão.
Pelas palavras que ficaram por ser ditas. Por manchete de jornal e capa de revista, espelho e mal teísta.
Pelos sorrisos que ficaram por ser.

Me desculpe, mas padeci do mesmo mal do qual padecem os lúcidos: enxerguei.
Há tanto azul no céu azul que não sei por onde começar a consertar.


Sei que não posso.
Vou parar de cavar a entrada e começar a cavar a saída.

quinta-feira, 6 de março de 2008

boca

Ando perdido com a deliciosa habilidade que possuímos em tecer comentários sobre as irregularidades dos outros.
Há problemas em ser magro, há problemas em ser gordo, há problemas em ter problemas.
Pobres de nós que conseguimos abrir nossas bocas apenas pra fazer da nossa vivência um pouco mais triste.

A menina na cadeira ao meu lado queria ser artista.
Será mais uma funcionária pública amarelando seus sonhos na máquina de fazer cópias.

domingo, 2 de março de 2008

ainda

Em tempos como este o mundo anda ao avesso. Os ateus são os mais generosos. Os teístas andam por ai se esbarrando nas suas palavras engessadas pelo tempo. Toda certeza se torna frágil perto das descobertas de um adolescente, assim como as verdades parecem honestas escoando pela imensidão de uma igreja. Os loucos são os poucos lúcidos, e os caretas estão cada vez mais perdidos entre discursos conservadores e festas de 15 anos. Pode ser que eu esteja enganado e que minha habilidade em dissolver certezas me coloque só e sem amparo. Mas enquanto todos vivem talhando um confortável caixão para a sua morte, vivo com a única certeza de que posso morrer ainda hoje.