segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Sinto.

Um novo grito vem corroer os meus sonhos e então me lembro que a felicidade não tem mais me alcançado. Apesar de ser assim, cansado e coberto de pedaços de nós, que chego todos os dias à sua porta, espero que os olhares falem mais alto que os meus dissabores e que o vento sopre leve para não arrancar nossas raízes tão novas.

E vou me perdendo, cada vez mais. Um poço raso.

Enquanto esse manto negro que a vida insiste em tecer na fase mais bela da nossa estação me esmaga o espírito, fico na espera de um mar de afetos que me afogue. Esse batom vermelho e seu cachecol de mil cores ainda me abraçam nas noites mais frias, na paz de sentar-se, vinho e risos, com um velho amigo.

Mas mesmo que essa melancolia me tome por gosto e o mal visto no espelho me faça descrente do que escrevemos na agenda, beije meus olhos e me ensine a sentir o seu rosto mais uma vez.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Porcelana

"Uma carta. Que não tem nome, que se insinua pelo tampo da mesa só pra desacordar meu princípio de sono. Uma carta sem idade, que esnoba o meu jeito de andar e a estripulia dos meus cabelos. Uma carta a mais, que desvende as disparidades dos meus pensamentos. Só uma carta... você não tem nenhuma pra me deixar? Não, mas nem um olhar você deixou pra mim.
Você quer fazer de mim um jogo e trapacear com as minhas gentilezas. Ah, mas a vontade é que todas as luzes se apaguem e eu esconda a minha liberdade na chama do seu isqueiro. Eu o devolvo na sua mão, entregando sem querer uma parte esquecida de mim mesma.
Não sei o que dói mais, se é o seu menosprezo inconsciente ou a minha timidez atípica. Nem um passo eu pude dar, mas dou meio passo pra você inferir minha existência num mero pedaço de papel.
Eu não tenho o sereno e o orvalho da noite passada, mas guardo um porto seguro. Não buscava algum conhecimento. Os múrmúrios de cigarro e bebida lhe transformaram numa pessoa querida e eu nem evitei que isso acontecesse.
Ora, esse verbo despejado era nosso por direito."

Ando em busca deste sentir que se esconde. E lá vou eu: a face vazia se arrasta levíssima por esses dias de ócio consentido, um peso de lei, em que me faço sôfrego.
Metade dos meus beijos gastei em bom-dias e me apertei para embrulhar seu presente, mas sinto que de nada valeu. Envolvi nosso caso num cuidado excessivo de não conseguir negar toques, frases, o seu amor tão bonito que se desdobrava no parapeito da varanda vazia, em silêncio.

Errei, eu sei. Errei o quanto se pode errar, mas achei que o fosse digno do meu gosto por dramas.
Me encantei com os seus versos e quis muito que o meu coração cantasse na valsa dos seus acordes, mas não pude.
Mas não pense que não fui feliz nos nossos encontros furtivos, cultivando fartamente em carpe diem nossos vãos de paz e guerra. Não pense.

Afinal, não tenho nada pra deixar. Saio deste enredo falso, de um roteiro macabro e belíssimo que acabamos de escrever e levo comigo tudo. Prometo ainda ver-lhe mais e sorrir sempre, como numa condolência a nós, mas perceba, meu bem: as mãos no bolso são a metáfora de que perdi, e não pretendo mais encontrar.


Ora, eu já sabia e sei: esse verbo despejado era nosso por direito. E é.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Folhas em branco

Querido amigo,

vamos aos mais belos sonhos. À cor nova do futuro de mesa farta, aos sorrisos profundos e sem traduções. Começo assim, meio sem vida, descabido, procurando algo que fazer nesse vão de tédios que se encaixam, mas não poderia ser com outro alguém, senão você, o soar desse recomeço.

Querido, tenho mastigado parágrafos e parágrafos, retorcido letras, ensaiado rimas, tenho feito muito nesses dias para conseguir rasgar o peito aqui, num segundo, como se assim pudesse lhe mostrar todos os meus planos enormes e horrendos.

A vida se enfei(t)a a cada novo pensamento, você sabe. Eu continuo fiel àquilo tudo em que, não sei onde, comecei a crer. Sinceramente, zerar de relógios e luzes no céu não me fizeram tão novo quanto esperava. Os abraços foram calorosos e aquela esperança infantil que desata os nós me tomou por alguns segundos, mas sou o mesmo: frestas de luz embaixo da porta para suportar o peso dos medinhos antigos, que não dormem nunca. Palavras bonitas em frases fúnebres ainda me comovem, aquela ânsia tremenda em ser-me tanto e bem, sinto agora. Sou eu.

Mas sou com os felizes, saiba. Acredito na aurora desse há de vir como um louco, ou um cego. Tecendo planos não mais separados por datas comemorativas, vejo seu rosto marcado nas faixas vermelhas do calendário. Não vejo-lhe aqui, como sempre. Você: meu devaneio mais longo e indefinido, a quem escrevo ininterruptamente, e temo.

Eu sei, você sabe. Confundo destinatários e remetentes, me enxergo nesses seus olhos de viajante, sonho com malas que nunca existiram, mas prometo afagar todo esse gosto por dramas em confissões particulares e privar-lhe da fala inconstante... e descer.

Prometo descer desse majestoso pedestal, meu caro. Missão árdua, pois sou eu.

Sou eu, amigo.
Eu fugindo de um fim: aquilo que precede o nada.