segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

.

Querido amigo,

é assim. Velas se apagam.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Nós, por exemplo.

Não é pelo gosto inevitável por sofrer, a tristeza tem seus goles mais doces, mas sinto que nesse ranger de ser-em-ser um eu-triste, um ritual de se ver sempre as mesmas faces nos segue.
Olhar para trás de tempos em tempos e se banhar na ilusão de que as cores de ontem eram mais certas, corroer as horas inúteis de cama e namoros inférteis para chorar os livros não-lidos, as noites tão mesmas são feridas abertas na carne de quem perde os pais numa tarde qualquer e não alcança na mente momentos melhores do que os pouco-felizes.

Viver, para quem é como nós, de costas com alças para que se leve fácil, é nunca ter paz.

Vontades vadias de amores sonhados, bolsos cheios, noites completas e viagens de férias preenchem a alma e condenam a voz de um gosto pelo hoje que não mais tem se deixado cair nestas páginas.

Por isso, quando for frio o bastante para não se crer em nada que não toque minhas mãos, e sonhar na escadaria dos bares com queridos-amigos-que-morrem-um-dia já não condizer com meus planos certeiros de envelhecer com graça e romper com as garras das ilusões de garoto, dobre-me ao meio e me guarde na caixa, amigo, pois me rendi à tolice de estar velho-maduro e cansei de me ser.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Cordel

Clara dizia que é dificílimo manter o peito aberto em todos os passos. As raspas do que se é sempre incomodam alguém e na maioria das vezes não é fácil se deixar levar pelo mar, como quem não se importa com isso de ter um ponto no infinito para onde se vai avante e sempre.
Vozes tolas de quem fala para quebrar muros alheios, mas que na verdade quebra a si próprio, sempre cruzavam seu caminho, num barco magnífico que por fim se fez seu, pois conhecia dele cada furo, cada talento e a direção do vento que mais amava sentir.

Um dia começou a escrever cartas mal feitas com gosto de ontem, que não eram para ninguém, mas para si mesma. Quem sabe ainda fosse para um amigo que vivia tão longe que pouco ou nada se lembrava dele, no que diz respeito ao que se guarda de concreto. Suas memórias eram como luzes: intocáveis, em mil cores e sinestésicas, mas amorfas.

Milhões de vezes tentaram sugar o sabor dos seus sonhos.
Teve a sorte triste de ter de carregar seus medos nas velas do barco e levá-los consigo sempre, o que fazia com que fosse perdendo a fé na chegada de, um dia quem sabe, um cais de calma, que temia não ver nem no cair da sua última noite.
Apesar de tudo, amava. Amou, amara, acima de qualquer tempo. Numa fé cega e linda, era uma beata dessas coisas de pele que só quem sente, sabe.

Clara dizia que coragem é a voz dos mudos. Para ela, ler tinha sabor de janela e escrever era como encarcerar o tempo, em riscos.

Não queria chegar ao fim dos seus dias e ser apenas a ternura de alguém sem passado, que dorme em lápides.

Viver era estranho demais e ainda é.
Clara sabia que podia encher suas malas com todo o discurso pesado do mundo, mas preferiu mergulhar na delicadeza das suas cartas e na beleza desse há-de-ser-tudo, que é estar vivo, até o fechar dos seus portões.