segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Anistia

Cada palavra é uma flecha perfurando todos os peitos ousados à frente. O ano vai morrendo nessa ilustre convenção de mundo que criamos e com ele muitas de nossas histórias se afogam no mar de um passado que, de repente, se lacra com os seus na prateleira abaixo, de etiqueta perfeita, na qual hei de mergulhar por milênios e milênios a fio.

Toques de lábios e bilhetes na escola. Mãos apertadas e encontros furtivos. Pedestais e cadeiras de bar. Relaxo meus braços e me deixo ferir por mais um peso dos anos que findam e vêm se juntar a esse infinito de cores que enfraquecem. Vão engessar suas aretas e se tornar saudosos passados, atentos aos meus infinitos chamados.

É hora de arrumar o quarto.
Novas caixas fragilíssimas vêm chegando para afogar velhos ânimos e desposar minhas saudades viúvas.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Entre vírgulas, ponto.

Amarrado aos mil nós de cores que são todos em mim, imerso em cada sorriso falso de amigo e em colo de mãe. Cada bloco da alma se decompõe no meu momento mais íntimo e a vida continua a correr brava e sempre, como um trem sem estação. Romper de luzes em datas comemorativas, embriagar-se escondido, hipocrisia por hábito, amar sem dizer. A rotina consome cada fôlego novo, que a cada dia desponta magnífico mas mingua até o cair da noite.

Sou eternamente espera. Do amigo das mãos apertadas, do amor que exala canções. Sou tudo que me envolve, desde nosso último beijo. Tenho tido tempo para sonhar. Tempo para reviver minhas hipóteses, aliviar o medo das rugas, ser o pó que nos tornamos. Pena.

Desejo mandar notícias que penetrem seu peito frio numa noite tranquila.

Estou em mim, como sempre. Rememorando nossos velhos toques e percebendo que tudo aconteceu na sutileza de um fim-sem-marcas. Você se foi como quem morre dormindo e assim sequer pudemos perceber o vão que se abria sob nossas pernas, então juntas, desvendando os novos caminhos velados e distintíssimos que traçamos para nós. E assim, como quem desata as mãos e rompe um destino, não nos enxergamos mais.

Chorei, intensamente e por vezes, quando te carregava em mim: um fardo de vícios, amores brutos, nós rastejando pelo chão, retorcidos de dramas, rindo alto, dançando desejos de um soar tão nosso quanto se pode ser. Numa vastidão de sentires que tento alcançar na memória, mas que são impossíveis de serem tocados novamente.
Também assumo, não hei de perder nada nisso: tenho saudade de nossos beijos negados, da cinematografia forjada, do tocar de corpos vendo seus olhos borrados, o vestido preto chegava quase à ponta dos pés descalços que tocavam o chão. Meus dedos de garoto tolo e sentimento de homem, seus lábios de letras quentes, de que fui cativo. Meus fantasmas.

Eu sei, me disseram: todo fim, por fim chega.

O som do vento engole o meu pranto, por onde passo, inconvicto.
Desfaço-me dos velhos vultos e de tudo que me cansava em você, livre para seguir em frente mas começo a sentir que não há peso maior do que o peso do nada.

sábado, 20 de dezembro de 2008

Rodapé

Sabe como é, meu bem, a tragédia que é estar em mim me consome neste dia seguinte. Ainda há pouco, risadas e divagações belíssimas nos deixavam mergulhados e soberbos, dionisíacos, completos. Agora amanhece, é frio, a cabeça lateja, sinto o refluxo das palavras que esparramei pela alvorada e que agora descem garganta abaixo, rasgando o peito como um castigo merecido. Nossa valsa de sinceridades sem-fim, marca de uma maturidade forjada que nos impusemos, hoje tornou-se dores evitáveis, arrependimentos crônicos, feridas que não se fecham.

Te peço.
Me conte algo bonito, sobre um amor adolescente, sorriso ingênuo, uma moça de saia dançante, um beijo de adeus. Algo lindo, que desperte minhas esperanças e me faça perder a vontade de adormecer por tantos séculos.

Temia, mas vivi a ignorância de cair novamente nas velhas verdades, chegar ao cume em que todos chegaram. Depois da noite intranquila em casa alheia, reviver as memórias embriagadas de um eu-em-alfa que não sabe aonde ir mas que abraça o mundo num trago, que não-lúcido sabe se ver confortável no infinito de um quintal, num amor-tolerância que é família, na calmaria de um colchão na sala. A vida nesses minúsculos gostos que nunca alcançei na sobriedade, por ser tolo e quadrado, mas que manejo com maestria quando aluscinado, fora do mundo, olhando por cima, faz-se senhora das cores que não desbotam nunca. Pelo contrário, tornam-se cada vez mais escarlates, gritantes, explícitas. Uma felicidade que acorda meus sonhos, reencarna delírios e reduz as distâncias. Me faz rei.

Depois de romper todas as barreiras do pensamento intimista e mágico, arrancar a pureza de um refletir imenso e gesticular demais, vemos que andou-se muito e em círculos, e cá estamos de volta ao ponto de partida. Doce clichê do que somos.

Descansemos, querida. O tempo é ardiloso, atroz, e reconstruirá num lapso nossos ânimos desgastados no pós-festa. E quando for noite outra vez, e todo esse ontem for engolido pela memória, buscaremos sentir novos ares mas talvez só encontremos os mesmos.

É uma escolha, meu bem, colorir o velho todos os dias e cumprir a destreza de viver minúcias é como garantir ter um álbum de família, café quente na cama e domingos menos cinzentos. Fazer-se rotina piedosa é amarelar os feriados no trabalho, rasgar calendários e buscar incessantemente, não a resposta, mas a pergunta, num tristíssimo durante que é fim.

Enxerguemos nas pequenas marcas o mais que nos une.
É noite. Os espíritos de tudo que há e arde no mundo estão soltos, temos os remos e toda uma madrugada-rio para ferir.

É a nossa sina, entreguemo-nos a ela.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Horizonte

Querido amigo,

estou na encruzilhada do ser, em que estamos todos. Nem princípio, nem fim, como um fantasma. Volto a despertar meus anseios na sede de vê-los concretos, palpáveis e assim jamais adormeço. Com os olhos fundos, o café frio no estômago, o ventre que revira na tradução do medo, sou guerra. Meu caro, descobri que essa lucidez me embriaga. Eu sou todo querer, feliz na busca por algo, por tudo. Estou pronto para partir, mas preso. Tenho epopéias escritas na mente, mas me falta a clareza do herói. Tento lutar, mas não tenho causas ou, quem sabe, as tenho demais e, por isso, sufoco-me. Quero ir embora, sou tolo, não posso com essa paz de convenções.

Querido, queridos, mundo,
quero deixar de ser mil almas em um só corpo e assim não mais cansar-lhes com a melancolia mesma, ou com a felicidade que vem reprisar os meu feitos, eternamente estas. Anseio que percebam que sou eu quem fala a cada tremor de letra cadente, quero ser romântico mesmo no vento mais frio do bar mais escuro, quero ser música.
Quero estar, quando de fato estou.
Um final feliz de razões questionáveis, não quero. Mas sim, um sorriso cativante, alegria duradoura, quero falar macio, suscitar paixões e silenciá-las num peito imperfeito. Quero uma alma que envelheça consciente de si e de suas feridas, resignada com suas rugas. Quero, meu caro, a sabedoria dos que julgam, os tolos. Quero a oração dos pobres, o ar dos asmáticos, a frieza dos médicos. Entenda que busco a pureza daquilo que não se tem.

Busco ter de volta a leveza dos meus gestos, e me ser todo, todo o tempo. Mas não posso. Sequer consigo dizer que o amo sem tropeçar nos meus dogmas.

Estou num penhasco, planejo pular sem asas.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Poética

Permanecia insone pela madrugada fria, recostado à janela, absorto e novamente perdido.
Pela fresta da porta, entrecortados, viam-se seus sonhos mais belos. Largou a caixa de desesperos, presos somente pelas fendas da alma, no (para)peito, ao lado do cigarro de maço.

Mais uma vez melancólico, tomando café com a saudade, sorrindo amarelo, sem saber se era aquilo, ser triste.
Era um pobre coitado.

Daquela moldura de assistir pôr-do-sol, de onde via a vizinhança escondendo seus pecadinhos tolos, sofria com filosofias imensas: carga involuntária da vida.
Cansado de tudo, naquela sensação estranha que é viver: uma loucura interna expressa em pequenos anseios enquanto o tempo atropela os passos, um cansaço desse inominável prazer de ser-estar, que se tornou tão ingrato: quando mal chega, quer embora.

Vivia perdido em delícias fugazes.
Sabia verdades de cor e de corpo:
que os artistas não sabem envelhecer
que poesias são verdades de uma tarde
que estar sozinho nem sempre é tão bom

Sabia do pleonasmo que é dizer que um sonho acabou.

Naquela janela-moldura, contando os nós na corda das palavras não-ditas, suspirando calminho e contando até dez, escreveu uns versos.
Queria falar rápido, era todo desespero e as horas se encarregavam de romper o seu cálice de palavras belíssimas.

Um lapso e fim.

Guardou (n)a caixa. Fechou a porta e a moldura. Desbotou o sorriso.
Respirou como um pai.
E quando caiu a noite do avesso, e era dia, se levantou para mais um dilúvio de vozes e quis aquecer o peito para que suas paixões não dormissem numa nova manhã, mas era poeta, e sabia.

Sabia que um peito rasgado na noite cala os instintos, até o alvorecer de novos medos.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Doce fardo

Hoje busco algo nominal. Um discurso direto, um zaz-traz, prosa de esquina. Ando tão desgastado, até mesmo meus cantos mais generosos e educados se cansam da minha fala livre. Os projetos desse eu-convicto, milimetricamente vedado em um caixote, não resistiram ao balanço do mar. Nasci para buscar a luz, num tactismo insano, descontrolado, é assim que me completo.

Tenho que parar de me negar a destreza de todos os meus infortúnios, tenho que parar de achar que os meus abismos são maiores que os seus. Escrevo papéis a noite buscando o calor dos ouvidos que esperam sugar belas letras de mim, pela manhã. Esqueço, então, de rasgar o peito e a sinceridade, moeda do amanhã, se perde na rinha de máscaras.

Não posso sustentar esses vícios, tenho me tornado um próprio. Anacrônico. Ora soberbo, sobrancelha arqueada, cólera vã; ora humilde demais, sou pena. Estou naquela vontade de me dobrar ao meio, triturar o tempo e me calar um pouco.

É ele, o discurso. Ele que me abriu tantas portas agora tem arrancado meu fôlego. Aviso então: quero desbotar meus delírios até que o coração perca os maus hábitos, os sobressaltos no escuro, a tietagem no amanhã.

O silêncio vai recompor minhas dores de praxe e assim estarei de volta.
Os clarões do fim me seduzem e o caldeirão de vozes me enlouquece nas mesas que completo. Não há paz que me afague.

Vou embora, me perder num vão de palavras até cair no paradoxo de querer lhe contar como tudo isso continua a doer.

sábado, 8 de novembro de 2008

Excreção

E então me deixo ser levado pela correnteza das horas. Embrulhando-me em minhas mil personalidades e me maravilhando com as mil faces do mundo. É o meu refúgio. É o meu modo de ser, outrora questionado por seu olhar de metralhadora. Estou cansado desse pedestal. Já é mais do que hora de descer. Cansei de receber concretos fortes e ásperos enquanto armo delicadamente minhas palavras. Os ovos já estão todos quebrados. Não há mais galinha que consiga sobreviver a esse naufrágio de palavras. A verbalização destrói os sentimentos.

Não pense que quero esquecer as horas que ganhei infiltrando-me em pensamentos profundos e tentando tirar conclusões sobre os mesmos. Apenas não quero exigir de tais conclusões uma verdade pura e simples. Tudo é muito complexo, tudo cai em uma teia de pensamentos embaralhados e palavras mentirosas soltadas ao vento de ambos os lados. A minha língua, muitas vezes afiada, enferruja-se e se estende como um tapete vermelho para que você passe. Para que você volte para casa sem os arranhões das minhas palavras desajeitadas.

Acredite que tenho amor e admiração guardados no peito. Que compro velas e escancaro minha caixa de correio bem à porta de sua casa. E não me peça perdão, tenho muito mais pedidos de perdão a se fazer. Deixe que eu me perca na minha correnteza errante, talvez um dia eu me encontre. Ou talvez não exista nada para se encontrar. Continue navegando com a coragem de sempre na sua, que muitas vezes elas ainda se cruzarão. É a nossa sina.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Apelo

Eu, sorrisos femininos, hipocrisia-medo, ombros pequenos e cansados.
Mente insincera, dizem os outros. Fato de espelho.
A terceira prosa do meu espírito se explode em pedaços de fatos incabíveis, eu sou eu em mil facetas, e às vezes tudo o que lhe digo é mentira, acredite.

Você que é linda no seu choro de chuva, embriagada esquece de cobrir as pernas, a pele branca entorpece meus dedos que há tempos só sabem (d)escrevê-la.
Desfarce seus sorrisos de jogos dúbios, respeite as atrocidades do tempo, meu bem. Supere as perdas, querida. Vá adiante, coitada. Coitada.

Estou ainda nas dobras do seu vestido de sexta, declamando meus horrores para ver se você se enoja do meu nojo.
Me escute. Evite a esquina dos bares, a calçada de pedras, a flor seca dentro do livro, meus bilhetes de meias-verdades. Me evite.
Não sou bom, tenho chorado demais o futuro que arde em chegar, tenho traído meus focos. Ando descuidado, quebrando bens de valor, sufocando saudades, virando copos demais, ando terrível.

O mundo se transforma na tempestade ingrata de viver e eu já não sei se é por aqui que quero ficar.
Faça suas malas, e vá-se embora de mim.

domingo, 26 de outubro de 2008

Velha ponte

Eu não sei dizer a que se refere o meu choro, o porquê desse bater sem-nexo no peito, o suor do desânimo, eu. Sei que tenho que falar-lhe, a urgência dos nossos perdões de olhares meticulosos, mão sobre mão, precisam ser ouvidos. Como sempre, como agora.

Querido amigo, o que digo não me pertence, crio hipóteses fugazes na mente e elas se depreendem de mim num instante. Eu sou imenso, lhe disse, não caibo na delicadeza de nós. Essa amizade na valsa de um romance, entalada em milhares de nós na garganta, aderida aos erros e apelos, pirraças e amor demais, é esse abrigo forte e iderrubável, impenetrável, nem mesmo minhas palavras mais ousadas conseguiram deslê-lo.

Não sei agora, o que essas letras em conjunto querem dizê-lo, mas sei que falam mais pelo ato que pelo grito. O amo indefinidamente, sem valores prévios, sem tudo. Queria que, talvez, não vivêssemos em ciclos, mesmo em momentos de filosofias avessas, como ontem, por fim logramos da mediocridade dos nossos sentimentos: cedemos à vergonha de um final de conversa, à decepção de um não-falar que já cansou-se de preencher vazios, a nós.

Entenda, sou todo austero, drama de idílio, verdades de uma tarde, mas posso ser como o destinatário dos seus 'bom dia' incertos. Quero e posso crer nas suas verdades, mesmo não sendo, por isso, mais forte.

Amigo, por quanto durar a recíproca, os caminhos terão vela acesa, o correio sempre aguardará pela carta, a porta não se cansará de abrir. Não dure, no entanto, estaremos sós entre outros, felizes e hipócritas, discursando clichês e dizendo que é isto, a vida.

Peço perdão. E fico orgulhoso dos nossos feitos, refletindo sobre a fala que engoliu meus (des)encantos. Peço perdão.
Preciso dos dramas para suportar a apatia, preciso de tudo, sou fraco.

Estou atrás da palavra mais pura.
Quero estar, por fim, nos seus recitais de saudade.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

No escuro

Tomada por partes de si que iludem a mente, detida em mistérios, contida nas dores. Morena de cor. De coração frágil, beleza sucinta de muitos amigos de bar, a solidez da fumaça dos cigarros de sempre acompanha seus passos em vias estreitas, dedos, pontas e alicates.

Perdida no dilúvio, em verso, chorosa dos poucos anos de vida, amores de sofá e promessas pouco reais, deixa derreter seus entraves em meio à risada calhorda e alheia. Se guarda da vaia do público, encerra sonhos para que os outros sonhem, planta para que comam. Não uma santa.

No tempo que é noite, conhece a figura de esquinas de bares, a menina que chorava para conseguir dormir, tecia seus sonhos sobre o travesseiro úmido, entalhado por um prisma de cores frias e quentes.

Ainda ontem, quando rasgaram seu peito, sorriu com graça. Sentou-se na sombra e zombou do destino ao lado de um velho amigo. Empatando palavras, dispondo releituras daquilo que são, metalinguistica da existência de nós, foi nesses desapegos que contou-lhe sua história.

O travesseiro de cores, a valsa de sonhos e um delicado sorriso, que ainda hoje hão de rolar dos seus olhos para que consiga dormir.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Amigo,

Os meus dias são de glória. Parece que encontrei o que tanto queria. Ando carregado pela velocidade das horas e vejo um futuro incerto como nunca. Meus dias de herói ficaram para trás... Padeceram perto da grandeza dos meus sentimentos. Quanto aos olhos, continuam os mesmos. Continuo tendo os olhos de poeta. Vivo calculando os próximos capítulos do meu filme particular, como se esses capítulos fossem indiferentes a magnitude da vida. É quando vem a minha cabeça um pedaço de papel cheirando a passado. Um papel que foi muito bem rabiscado por mãos hoje pouco vistas. Eram mãos às vezes irônicas, ou até maléficas, mas eram mãos. Eram mãos. Nas noites, essas vinham portando majestosos cigarros. Calejadas por uma amizade da qual não se sabia como seria o amanhã. Acho que o fato de carregar um cigarro simbolizava o não-simbolizar nada, mas isso não importa. Pra saudade, aliás, nada importa. Bastam as horas correndo e me carregando que ela aparece implacável na ânsia de meu dizer abafado por ninguém. E é na frente desse ninguém que toco meu violão e deixo as lágrimas caírem como se estivessem esvaziando minha alma. Também são companheiras.

Sabe amigo, acho que estou aprendendo a viver. Por mais que ande com companhias nem sempre agradáveis, sinto como nunca a minha vida dando pancada em mim mesmo. Mas não pense que ando triste, também sou um entusiasta.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Eu ainda

O vinho e as flores, de volta.

Nos embriagávamos no hálito do cotidiano alheio, ignorando a balbúrdia que antecedia o adeus. Suas palavras eram como minhas, e eu querendo dizer tanto, sequer assimilava o fluxo de sentimentos e máscaras que usava em frações de segundo.

A mesa redonda, reduto de nossos segredos de moleque. O agora se coloria nos sorrisos de poucos, mas raros.

Somos os mesmos, mas outros.
A distância nos fez fugidios de nossos medos, mas não se preocupe com a metáfora dos olhos nos olhos. Os reencontros, ainda que rápidos, serão como cada pedaço de vida: rotineiros e belos. Brisa fugaz. Olhar certeiro.
Me admira suas imperfeições de amigo velho e desgastado. Seu sorriso aberto em cada nova curva.

Sabe, amigo, ainda sou aquele das infinitas (des)graças ilógicas, de quem o peito se rasga em amores de carta. Sou um garoto, meus pudores são falsos e se desdobram no esvoaçar das saias, provocações e suores.

O resto lhe disse.
Temo. O futuro de fogo, o diário acabado, a missa sem fim.

No peito que rasga ainda cabe a moldura de mil (des)encontros. Orgulho. Até que não caiba.


O vento te leva.
Me refugio à beira do mar, e me ponho a encher outros baldes d'água para os novos incêndios.
O vinho e as flores ficaram sobre a mesa e a saudade já desembarca no cais.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Fotografia

A briga contra o transitório, renegando o adeus, ferida aberta do ontem.
Memória sólida e pálida, passo que se distancia latente e líquido.
Fatia de vida roubada das horas. Em minhas mãos, já frias.
Não me canso de cansar meus olhos sozinhos sobre nossos velhos adornos.

Não me lembro mais. É distante, irreal, traiçoeiro. Não me lembro. Não fiz.
Enquanto enxergo seus olhares tristonhos de ontem, esmagados e estáticos, mirando o infinito, a mágica do tempo reconstrói suas lágrimas em gozo, em algum outro lugar do universo de nós.

Eu sei. O presente seduz pela imortalidade do que já foi, mas o coração não resiste às tantas perdas e a sonhos brandos demais.
O futuro chegou, mármore frio, mas não chegamos inteiros a ele. Pena.

O que fizemos são fotos, e o pôr-do-sol de hoje é preto-e-branco.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Cálice

Sonhos profundos molhavam sua mente, como raro sentia, e os raios de sol vieram trazê-lo ao novo dia. Era domingo.

O quarto em pedaços, que eram dele e não eram, rejeitava a beleza da aurora que surgia esplêndida lá fora.
Há tempos não conseguia mais despertar e seguir deitado na cama, como havia feito muito e bem. Se lembra que acordava sem medo do correr das horas e sem abrir os olhos permanecia vivendo seus sonhos, considerando hipóteses, deflagrando corações. Costumava sorrir.
Hoje, acordava vestido com a melancolia de sempre, que não era dele, mas ele próprio. Vestia os chinelos, paralelos sob a cama, e ainda envolto em seus cobertores brancos caminhava insone pelo corredor.
Ignorava o espelho.
Os cabelos desarrumados lhe faziam bem, a barba não fazia. Era domingo.

Tentou enxergar sentido em sua coleção de ausências, na ignorância das cartas que não sentia mais, nas lembranças sem cor. As cores ficaram com ela. Ficaram com ele as dores.
Hoje, enquanto ele mastiga o silêncio, ela sorri com vinho tinto e amigos nobres.

Era domingo. Dormia.
Os dias viriam pra encobrir as feridas, como manda o tempo, mas seus sorrisos inférteis seriam o rosto da falta.

Velhos estigmas não o abandonam. Insistem ecoando vadios por-entre as horas, mas não podem ser sentidos em apertos de mão.


É segunda.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Raízes

"As formas das nuvens formam esqueletos guerreiros de espadas na mão.
O sol agora vira bolha e não deixa meus demônios dormirem, a luta que se trava estala gravetos e mergulha em meus porões. Uma guerra, um farol, minha alma."

Minhas casas, ao longe, e a solenidade de minhas idas e vindas me fazem e refazem em versos de mim.
É nesse leve balanço dos tremores de estrada, em busca do amanhã, que saboreio as saudades de um futuro meu, se abrindo em leque.

Apesar de tudo, estou no centro de um destino de fábulas.
Apesar de tudo, sou mar.

As ondas quebram em cor, enquanto outras vêm pra recompor seus hiatos.



na mesa das noites, thaís (em aspas) e eu.

domingo, 31 de agosto de 2008

Esquina

A tragicidade das nossas frases de ontem, verdades de pontas afiadas, me fizeram temer (a mim) (n)o futuro.
Eu, que já não ansio por aquelas grandes mudanças que lhe contei outro dia, na calçada, escuto o som dos furacões que, por certo, vão te levar de mim no seu melhor sorriso.

Aprendo, lentamente, a saborear minhas perdas insolúveis e constantes. Vou aos poucos enxergando que, pelas minhas mãos ou pelas do mundo, um caminho novo com novas pedras será traçado para mim.

Esqueço o inesquecível. Perco também os apertos no peito, a amargura das horas, a fome de ir embora. Minhas memórias transcedem a mente e escorrem na pele. Perco-as no banho, na chuva. Deixo-as na toalha do banheiro público, misturadas com perfume e suor.
É como lhe disse: não sei ser amado. Sou amigo das dores que me fazem palavras, doce mortalha.

Nesses dias tão nossos de indiferença e bom humor, sou paz. Minhas incertezas são tantas quanto os nossos sorrisos infindos, e só me resta querer que sigamos tropeçando nos bilhetes rasgados e olhares alheios até o entardecer.

Ainda não tenho hoje, as respostas às perguntas de ontem.

Ainda sou o mesmo, querida.
O mesmo.

domingo, 24 de agosto de 2008

Amor

No vacabulário dos índios não tem a palavra amor.
Para eles não existe a propriedade privada.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Fingidor

Querido amigo,

Hoje me lembrei daquele bar de esquina torta, vida torta, em que costumávamos ir.
As saudades me entorpeciam a alma e como há tempos não, parei para sentir.
Naquele instante em que o corpo esfria e a lágrima não desce, cansei os olhos nas horas e na fumaça dos dedos, que suavemente me envolvia, imóvel. Sentado na calçada, as vozes ao fundo, mente vazia, rotina sem nexo. Cheirava a passado.

Não sei o que tem alcançado seus olhos, mas sei que talvez nunca saiba.
Não sei por onde tem andado, mas só às vezes percebo que tudo isso é ausência.
Os dramas me caem bem.

Amigo, quero me valer da coragem-epifania-saudade que agora explode dentro de mim e dizer-te que planejo o futuro como o passado, sem planos, mas que não há como fingir que o tempo não passa, enquanto ancoramos a vida num incerto amanhã que não chega.

No presente ingrato de correrias sem-fim não há cores que desfarcem a falta.

As conversas e risos pedem arrêgo.
E eu também.

domingo, 10 de agosto de 2008

Entretanto,

depois de mil planos sem fim, como quem rasga as teias do futuro e despenca num abismo, voltei.

Voltei àqueles mesmos rostos amáveis, dissolvidos em suas amarguras brandas de adolescente.
Àqueles mesmos rostos ignorantes e fúnebres, alheios e tolos, assim como o meu.

É quando me deito, cansado e só, e enfim se fecham as pálpebras do dia, que retomo meus sonhos quase certos de outrora e vejo que vão desbotando no horizonte, ao longe.
Entre as frias horas de drama bobo e sofrimento forjado, enxergo que não caibo na felicidade-tese dos outros e que a minha permanece em retalhos.

Amigo, você não sabe mais, eu sei.
Sigo nos dias derivados dos vinhos de ontem buscando o amanhã.
Sigo assim,
feliz protagonista de mim.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Par de asas

Hoje então,
num quê de retrato seu, na memória,
acolchoado em mil lembranças solenes de divagações sinceras, dias e noites. Um lapso.
Que eu seja mais que um abraço, um presente, um sorriso insistente.

Hoje, desculpa para gastar todas as minhas frases armadas na ponta da língua,
guardo-as.
Hoje, que é tão seu quanto se pode ser,
nem sei o que dizer.

é que, na verdade, queria te dizer algo que,

enfim,

não tem começo, nem fim.

domingo, 27 de julho de 2008

Bilhete

Eu, que sou amado por poucos, envelheço em passos lerdos. Percebo a inércia dos dias e galgando sobre os comentários coléricos a respeito do meu tênis sujo e minha blusa repetida, sigo em frente.

Avesso, amo e detesto os velhos hábitos sob o mesmo sol.
Louco, sonho com minha mochila-casa à tiracolo, desdobrando o mundo, deixando escorrer por entre os meus dedos torcidos de drama e exagero, cada doce pecado humano.
Tolo, mastigo tudo isso e destorço-me voltando aos velhos dogmas e encarcerado respiro. O meu respirar hipócrita. Preguicinha de ir a fundo, encarar de frente, sair do papel.

Não reconheço mais os meus medos de costume e assim recolho alguns pelas ruas, nos sorrisos forjados ou na insensibilidade dos dias que tenho.
Não sou infeliz.
Pelo contrário, vivo num grande contra-senso de planos que se sobrepõem uns aos outros na certeza de um amanhã que talvez não venha.

Eu lamento ter perdido o rumo e as chaves de casa.
Lamento a falta de afeto e o gosto amargo da ausência.
Lamento olhar para as tantas caixas de mim no armário e ver que, por fim, te guardarei nos perdidos.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Fumo sim.

E ainda sou daqueles que tira o cigarro do maço, cheira, e aprecia cada tragada vendo a ponta do cigarro se avermelhar e voltar ao normal. Quanto mais fumaça esvoaçar pelos ares, para mim melhor. Fumo, e mesmo em pleno sec.XXI, vejo uma enorme lógica para esse ato. Fumo justamente para fugir dessa estética de mundo moderno. Sou ultrapassado sim. Fumo simplesmente para sentar e ver os carros passar. Fumo e ainda digo às patricinhas: “fedo cigarro sim!”. Fumo porque sou influenciado pelos filmes sim. Fumo para zombar do câncer e dizer: “você pode me matar, mas eu não to nem ai”. Fumo para mostrar para o mundo que eu também sei ser ilógico.

Fumo pra zombar do mundo inteiro.
Fumo para ser o avesso do avesso.
Fumo porque me tornei tão grande, que já não caibo mais em mim.

domingo, 20 de julho de 2008

Muito bem, obrigado.

Há certos momentos, como este, em que a plena consciência de se estar feliz é mais uma das razões para não o ser.

Os dias que procedem o êxtase vêm em blocos duros de lembranças belíssimas com as quais todas as minhas outras hão de ser comparadas. As quais me pegarei, sempre, tentando reviver.
Perco-me no meu eu satisfeito, em busca de nada. Completo. Nada me atrai. Tudo me atrai. Problemas não me afligem sobre meu travesseiro gordo. Camaleão cego, caminhando em desapegos sem fim. Em desagrados, decepções, dormências. Tédio.

Não há como segregar sentimentos em mim.
Não sei o que fazer com a felicidade que tenho nas mãos se dependo da velha melancolia, que agora nostálgica, encobre minhas marcas e me faz seco e só.

Penso que, talvez, não saiba ser feliz.
Ou tema, quem sabe, chegar ao topo e perceber que daí em diante, estou fadado a descer.

Voemos.

sábado, 12 de julho de 2008

Cena que passa

Eu e ela na calçada suja de palavras não ditas.

Eu, ela e tudo aquilo de que nos privamos todo o tempo. Insanos. Coitadinhos. O tempo levará nossos sonhos e nosso furor adolescente e em alguns verões mais adiante nos perderemos na vontade de não ser.

Ah sim, eu e ela na calçada de ricas formas intocáveis como a fumaça do cigarro que fumava, como nunca fazia. Olhei para as pedras da casa da frente, cantei meus versos de improviso e recebi-os de volta, sem uso. Meu coração, que se reparte sempre quando diluído em sua presença agridoce, batia calmo. Queria, como sempre, dizer tantas coisas que sutilmente se traduziram num sorriso.

Entrelaçamos os braços para fingir uma proximidade que, talvez, não exista.

Os beijos foram poucos e meus.
Os beijos meus foram muitos.

Ainda na calçada, estou sentado relendo os versos e corrigindo a voracidade que talvez a incomode, refletindo sobre as incoerências do tempo.

Ás vezes quero me desfazer desses velhos dias mas percebo que já são parte de mim.
A parte que com as manchas do tempo sobre as tristezas, agora esquecidas, se tornou bela.

Bela demais.

sábado, 5 de julho de 2008

Manifesto do séc.XXI

Tropicália.
1968.
Revolução cubana.
Woodstock.
Beatniks.


Ficamos nos embriagando no cálice da heróica história do passado e nos esquecemos de fazer nossa própria história. Mas não tem problema. Quando minha falta de atitude me perturba, corro pro violão e brindo minha mediocridade tocando Chico Buarque.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Fronteira

Num passado apagado e remoto, queríamos nos dizer coisas, e queríamos nos enxergar uns nos outros, num desespero frágil, tentando escapar do pesado fardo da solidão.
Paradoxalmente, num ideal de pureza atroz, procuramos universalizar nossos sentimentos, resumí-los a palavras simples. Nos comunicarmos a qualquer custo. Dizer que aquilo que sinto e aquilo que sentem são a mesma coisa. Tolos.

Dessa universalidade, nesse 'hoje' em meio a um mundo de concreto, obra pronta, dicionário hermeticamente fechado, perfeito: não sou mais livre.

Quero poder voar. Quero poder dizer que esse vácuo inenarrável de frios e secas, que aqui guardo, talvez seja algo que não esteja no catálogo.
Quero poder olhar para dentro de mim, e ver, maravilhado, que estou sem palavras para traduzí-lo. Pelo simples fato de que elas - ainda - não existem.

Falo isso pelos meus papéis, que talvez digam mais pelos seus rabiscos, pela mão trêmula que os escreve, ou pelo volume que ocupam na gaveta, do que pelas palavras que contêm.

Falo isso por mim, que já me cansei de virar-me do avesso tentando ir além do entendimento,
sem saber que o avesso é a fronteira do oposto.
E dali em diante não há mais o que dizer,
pois não há quem ouça.

Então chamamos dor.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Lágrimas

Queria escrever sobre a loucura da vida. Sobre tudo que arde forte dentro de mim. Mas não consigo. Quando espremo toda minha alma em busca de palavras, só acho lágrimas.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Estiagem

Querido amigo,

já não o vejo há 15 dias e mil pôres-do-sol.
Temo ter de engavetar nossos velhos traumas e encadear na trama falsa de infelicidades mais um esquecimento rotineiro. Quis mandar um telegrama, mas perder as conjunções seria o mesmo que perder o mais que nos une e como carta dramatizo saudades, às vezes irreais, egoístas e impróprias, que talvez não lhe contasse nunca.

Na verdade, não quero vê-lo.
Na verdade, da saudade e da pena que sinto de mim por tê-la, faço-me forte e bravio sigo. Sigo péssimo. Pessimistazinho, engolidor de cigarros, entusiasta da solidão. Tolo.

Na verdade, quero muito vê-lo.

Tenho saudades do passado.
Tenho saudades de tudo.

terça-feira, 17 de junho de 2008

sobre estar só

Hoje, em meio aos papéis do dia, coube um beijo.

Talvez escreva algo amanhã.
Talvez receba um sorriso amarelo, passado.

E então voltarei aos papéis.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Além do mais

Peço perdão a mim mesmo, por me privar do tempo.

O futuro chegou, feito concreto, palpável,
e não enxergo nele os meus sonhos e anseios.
A angústia, a efemeridade, o grito, o tédio, o vento, amores curtos, sorrisos breves, e tudo que em milhões de tempos viveram muitos, e agora eu.

Já não são os mesmos nem a alma, nem o choro que dela saía.

Maldita geração que vive.
Bendita vida que a consome.

sábado, 31 de maio de 2008

31/05

De céu bem aberto você me recebe. Em alguns domingos de tardes vazias e todos os dias com seus concretos bem armados. Trazendo aconchego a minha alma já desgastada pelas aventuras do passado. Suas prostitutas, seus carros velozes, seus hidrantes amarelos. Tudo vai me tocando profundamente, e aos poucos, vou rasgando suas calçadas com as marteladas do meu tênis. A fumaça do meu cigarro já não polui o seu ar e a batida do meu coração parece às vezes se confundir com a movimentação de suas ruas. Seus dias se abrem em mil sóis e mil mistérios a se desvendar. E quando a noite chegar, sei que a lua estará posta, os mendigos estarão cantando, e os resquícios da madrugada irão me acordar no auge dos meus sonhos.

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Epifânico

Por mais que minha caminhada diária tenha de ser para frente, vivo preso aos velhos caminhos. E gosto.

O sabor agridoce de um eu-imperfeito, entranhado em meio às minhas dores e risos, me esquece de festejar a aurora de cada novo dia. E entre uma dessas e outra, um pôr-do-sol laranja e outro, caio, frio e quente, consciente de que estou vivo.

É o momento em que, como tantos que esqueço, posso abrir os braços sem desejar enxergar à minha frente o entediante caminho retilínio da perfeição.



Que não me vença a memória do hoje, o amanhã.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Tristeza

Não te repudio mais.
Te vejo consumindo cada segundo do meu dia e te dedico a música mais bonita que sai dos meus acordes.
Mas não te repudio mais.
Aprendi que tristeza faz parte da vida.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Sinceramente,

não sei se hão de durar muito os meus dias.

A cena que passa pelos meus olhos não é mais como tantas e os meus dedos tremem. Meu peito, que se rasga em tantos de nós dois, ri-se de minha loucura, e sigo embriagado em corredores de passos mortos. Tortos.

Os risos altos dançam a velha canção de olhares lentos se misturando ao seu cheiro, que sinto às vezes, perdido em mim, e à sua voz guiando meus dedos.

Toco.

Sinto sono pela manhã, e sentirei ao entardecer em suas pernas minhas.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

"The same old feelings"

Viver tem sido corriqueiro e breve. Minhas palavras perdem em tamanho, meus sorrisos já são mais curtos e o meu eu mais convicto.
As visões e os planos de um futuro próximo se transformam ao sabor do vento em minha mente, às vezes vaga, às vezes pobre.

Percebi que os meus consternados dezesseis anos que, de tolos, se tomam por mal-vividos, mesmo sendo tão poucos, são a tolice que me faz revoltado frente ao congelar da rotina.

A casa da qual saio, os amigos novos e os velhos, ao longe, a iminência de um presente-passado.
São trechos sem-nexo de uma hipótese minha.

Com suas desculpas,
não podem ser entendidos, não são belos e ainda não têm fim.

sábado, 5 de abril de 2008

Vi

Hoje ter nada mais é que ser com T.

domingo, 30 de março de 2008

Olhares

Abro mão da minha voz revolucionária e enfio a mão naquilo que há de mais deslumbrante aos olhos de um simples rapaz como eu. Aquilo que movimenta as mais intensas inspirações e promove as mais ardentes sensações. Devo-te dizer o quanto me enche de desejos aqueles olhares. O quanto me alegra ver tamanha beleza de tal natureza. Beleza que atropela a razão, a racionalidade e é capaz de me envenenar por recreios a fio. As cores novas, os peitos novos, os novos brancos dos dentes. Desfaço-me dos antigos mal-estares e me vejo novamente reparando curvas, marcas e tornozelos. Atraído por essa força irresistível. E deixando ser levado por ela.

terça-feira, 11 de março de 2008

macrominúcias

Ontem falei de mundo.
Caí de novo na velha melancolia de perceber que há tantos em estado de dormência, tantos que sabem como mudar mas se acomodam, passivos, no macio sofá do ócio.
É duro pensar que não verei outro mundo por conta dos belos escritos nos papéis avulsos que ficaram por ser lidos, sob o colchão.
Pelas palavras que ficaram por ser ditas. Por manchete de jornal e capa de revista, espelho e mal teísta.
Pelos sorrisos que ficaram por ser.

Me desculpe, mas padeci do mesmo mal do qual padecem os lúcidos: enxerguei.
Há tanto azul no céu azul que não sei por onde começar a consertar.


Sei que não posso.
Vou parar de cavar a entrada e começar a cavar a saída.

quinta-feira, 6 de março de 2008

boca

Ando perdido com a deliciosa habilidade que possuímos em tecer comentários sobre as irregularidades dos outros.
Há problemas em ser magro, há problemas em ser gordo, há problemas em ter problemas.
Pobres de nós que conseguimos abrir nossas bocas apenas pra fazer da nossa vivência um pouco mais triste.

A menina na cadeira ao meu lado queria ser artista.
Será mais uma funcionária pública amarelando seus sonhos na máquina de fazer cópias.

domingo, 2 de março de 2008

ainda

Em tempos como este o mundo anda ao avesso. Os ateus são os mais generosos. Os teístas andam por ai se esbarrando nas suas palavras engessadas pelo tempo. Toda certeza se torna frágil perto das descobertas de um adolescente, assim como as verdades parecem honestas escoando pela imensidão de uma igreja. Os loucos são os poucos lúcidos, e os caretas estão cada vez mais perdidos entre discursos conservadores e festas de 15 anos. Pode ser que eu esteja enganado e que minha habilidade em dissolver certezas me coloque só e sem amparo. Mas enquanto todos vivem talhando um confortável caixão para a sua morte, vivo com a única certeza de que posso morrer ainda hoje.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Erros

Os românticos também cometiam erros de português.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

ser ou não ser?

que tal só ser?


ser .

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Setembro,

Querida,
Pensei já não restar montes que eu não houvesse escalado ou valas por onde não me meti. Enganei-me.
Ao sentir-me de volta à sua presença febril e seu ar provocante sinto que esvai-se meu poder de esquecer-te. Cheguei hoje a remexer seus sentimentos em mim, dados por esquecidos. E como com brinquedos velhos tentei achar a cor que em outros tempos possuíam. Não sei se era com eles que brincava ou com memórias desbotadas, assim como o medo que me aflige de voltar a desejar-te. Memórias do que nunca vivemos e do que jamais viveremos.
Pergunto-me porque me deixei levar de novo pelo teu brilho. Porque consenti admitir pequenos retrocessos na minha existência tranqüila que anseia o novo.
Perco-me nas trocas de sorrisos dúbios. Nada dúbios. O espelho me desencoraja. Rasgo as cartas que nunca me enviou, e não me atrevo a subir ao topo, pois a superfície me parece agradável.
Sonho com trechos sem-nexo de uma hipótese tão minha. Ouço ao fundo um soar fúnebre de um querer que me diz o porquê de meus sonhos serem hipóteses. Encorajo-me. Mas vejo que agora você não está por perto.
Sou despertado por uma vinheta de telejornal. Piso em chão gelado. Durmo sozinho. E deixo que o mar desfaça mais uma vez os castelos de areia que construímos hoje.
Só o que eu peço é que haja areia e haja mar, e nós nos veremos no dia seguinte. É a nossa sina. Entreguemo-nos a ela.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Ausente

Levei 10 dias pra falar do meu tédio.
Mas descobri que se falo, desentedio.

Podia o tédio ser saudade.

10 dias

Esses últimos dias meus, de grandes novas, voaram como a poeira: pesada e infinda. Já havia sentido a ausência dos que amo quando a busca destes por mim teve fim. Talvez por tédio, talvez por mim. Mas jamais havia sentido tanto a falta de mim mesmo.
Voltar àquela redoma que há pouco havia deixado não foi fácil, sabia eu que muitos não estariam mais lá, teriam voado ao mundo. Muito me incomodou os rostos felizes, o barulho, a iminência de um futuro coletivo do qual eu não fazia parte.

Desses últimos dias meus, de sol forte, recebi o castigo por prever o futuro, arquitetar o tempo. Os poucos passos que dei foram para trás. Conheci a monotonia da minha própria ausência, a qual sempre desejei. Ouvi o barulho dos credores, o riso dos fortes, vi os olhos dos loucos.

Nesses últimos dias meus, tão meus que esqueço, percebi que a solidão nem sempre é algo tão bom.
E então voltei à porta, ao fim do décimo dia. Assisti ao pôr-do-sol ao receber-me de volta, melancólico e cansado, sem saber ao certo o que viria a ser do futuro nosso. Não sei ainda, mas talvez seja melhor assim.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O Notório

Despertou seco como seus velhos potes
Tomou cedo o seu café amargo, cheio de amarguras.
Com a mão na xícara se achegou à janela,
Tocou a madeira secular, como sua alma
Lembrou do choro das filhas, hoje longe

O sol nasceu.

Vislumbrou apático a beleza da aurora, como um cego, ou um louco.
Ouviu no rádio a mesma canção, que soava fúnebre

O tempo passou,
Passou ele munindo a enxada

Capinou o roçado,
a cova,
o roçado.

Deitou no chão,
Vestiu a terra, como quem veste a mortalha
E chorou,
Chorou como nunca.
Queria que o seu último verso soasse triste, eternamente.

Virou brisa.



Luiz Felipe Leal

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Noite

Luzes coloridas
Carros velozes
Mendigos na calçada
Piada no boteco
Uísque na boate
Maços de cigarro
Comprimidos químicos
Vídeo pornô
Tornozelos femininos
Espelho para bêbados
E eu aqui, exalando o perfume da noite.

Murilo Abreu

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Conversinha

Diga aí,
Diga ao meu amigo ao teu lado,
Que com ele me destravo,
Estrago, na fumaça do cigarro de cravo.
E deixa um abraço,
Para os que querem me abraçar
Na paz de uma mesa de bar.

Luiz Felipe Leal

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Estações

Nesse verão inventarei um novo amor.
Para voltar a sentir o cheiro da primavera, pisar nas folhas secas do outono e receber a brisa fria do inverno.


Murilo Abreu