domingo, 26 de outubro de 2008

Velha ponte

Eu não sei dizer a que se refere o meu choro, o porquê desse bater sem-nexo no peito, o suor do desânimo, eu. Sei que tenho que falar-lhe, a urgência dos nossos perdões de olhares meticulosos, mão sobre mão, precisam ser ouvidos. Como sempre, como agora.

Querido amigo, o que digo não me pertence, crio hipóteses fugazes na mente e elas se depreendem de mim num instante. Eu sou imenso, lhe disse, não caibo na delicadeza de nós. Essa amizade na valsa de um romance, entalada em milhares de nós na garganta, aderida aos erros e apelos, pirraças e amor demais, é esse abrigo forte e iderrubável, impenetrável, nem mesmo minhas palavras mais ousadas conseguiram deslê-lo.

Não sei agora, o que essas letras em conjunto querem dizê-lo, mas sei que falam mais pelo ato que pelo grito. O amo indefinidamente, sem valores prévios, sem tudo. Queria que, talvez, não vivêssemos em ciclos, mesmo em momentos de filosofias avessas, como ontem, por fim logramos da mediocridade dos nossos sentimentos: cedemos à vergonha de um final de conversa, à decepção de um não-falar que já cansou-se de preencher vazios, a nós.

Entenda, sou todo austero, drama de idílio, verdades de uma tarde, mas posso ser como o destinatário dos seus 'bom dia' incertos. Quero e posso crer nas suas verdades, mesmo não sendo, por isso, mais forte.

Amigo, por quanto durar a recíproca, os caminhos terão vela acesa, o correio sempre aguardará pela carta, a porta não se cansará de abrir. Não dure, no entanto, estaremos sós entre outros, felizes e hipócritas, discursando clichês e dizendo que é isto, a vida.

Peço perdão. E fico orgulhoso dos nossos feitos, refletindo sobre a fala que engoliu meus (des)encantos. Peço perdão.
Preciso dos dramas para suportar a apatia, preciso de tudo, sou fraco.

Estou atrás da palavra mais pura.
Quero estar, por fim, nos seus recitais de saudade.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

No escuro

Tomada por partes de si que iludem a mente, detida em mistérios, contida nas dores. Morena de cor. De coração frágil, beleza sucinta de muitos amigos de bar, a solidez da fumaça dos cigarros de sempre acompanha seus passos em vias estreitas, dedos, pontas e alicates.

Perdida no dilúvio, em verso, chorosa dos poucos anos de vida, amores de sofá e promessas pouco reais, deixa derreter seus entraves em meio à risada calhorda e alheia. Se guarda da vaia do público, encerra sonhos para que os outros sonhem, planta para que comam. Não uma santa.

No tempo que é noite, conhece a figura de esquinas de bares, a menina que chorava para conseguir dormir, tecia seus sonhos sobre o travesseiro úmido, entalhado por um prisma de cores frias e quentes.

Ainda ontem, quando rasgaram seu peito, sorriu com graça. Sentou-se na sombra e zombou do destino ao lado de um velho amigo. Empatando palavras, dispondo releituras daquilo que são, metalinguistica da existência de nós, foi nesses desapegos que contou-lhe sua história.

O travesseiro de cores, a valsa de sonhos e um delicado sorriso, que ainda hoje hão de rolar dos seus olhos para que consiga dormir.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Amigo,

Os meus dias são de glória. Parece que encontrei o que tanto queria. Ando carregado pela velocidade das horas e vejo um futuro incerto como nunca. Meus dias de herói ficaram para trás... Padeceram perto da grandeza dos meus sentimentos. Quanto aos olhos, continuam os mesmos. Continuo tendo os olhos de poeta. Vivo calculando os próximos capítulos do meu filme particular, como se esses capítulos fossem indiferentes a magnitude da vida. É quando vem a minha cabeça um pedaço de papel cheirando a passado. Um papel que foi muito bem rabiscado por mãos hoje pouco vistas. Eram mãos às vezes irônicas, ou até maléficas, mas eram mãos. Eram mãos. Nas noites, essas vinham portando majestosos cigarros. Calejadas por uma amizade da qual não se sabia como seria o amanhã. Acho que o fato de carregar um cigarro simbolizava o não-simbolizar nada, mas isso não importa. Pra saudade, aliás, nada importa. Bastam as horas correndo e me carregando que ela aparece implacável na ânsia de meu dizer abafado por ninguém. E é na frente desse ninguém que toco meu violão e deixo as lágrimas caírem como se estivessem esvaziando minha alma. Também são companheiras.

Sabe amigo, acho que estou aprendendo a viver. Por mais que ande com companhias nem sempre agradáveis, sinto como nunca a minha vida dando pancada em mim mesmo. Mas não pense que ando triste, também sou um entusiasta.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Eu ainda

O vinho e as flores, de volta.

Nos embriagávamos no hálito do cotidiano alheio, ignorando a balbúrdia que antecedia o adeus. Suas palavras eram como minhas, e eu querendo dizer tanto, sequer assimilava o fluxo de sentimentos e máscaras que usava em frações de segundo.

A mesa redonda, reduto de nossos segredos de moleque. O agora se coloria nos sorrisos de poucos, mas raros.

Somos os mesmos, mas outros.
A distância nos fez fugidios de nossos medos, mas não se preocupe com a metáfora dos olhos nos olhos. Os reencontros, ainda que rápidos, serão como cada pedaço de vida: rotineiros e belos. Brisa fugaz. Olhar certeiro.
Me admira suas imperfeições de amigo velho e desgastado. Seu sorriso aberto em cada nova curva.

Sabe, amigo, ainda sou aquele das infinitas (des)graças ilógicas, de quem o peito se rasga em amores de carta. Sou um garoto, meus pudores são falsos e se desdobram no esvoaçar das saias, provocações e suores.

O resto lhe disse.
Temo. O futuro de fogo, o diário acabado, a missa sem fim.

No peito que rasga ainda cabe a moldura de mil (des)encontros. Orgulho. Até que não caiba.


O vento te leva.
Me refugio à beira do mar, e me ponho a encher outros baldes d'água para os novos incêndios.
O vinho e as flores ficaram sobre a mesa e a saudade já desembarca no cais.