quinta-feira, 31 de julho de 2008

Par de asas

Hoje então,
num quê de retrato seu, na memória,
acolchoado em mil lembranças solenes de divagações sinceras, dias e noites. Um lapso.
Que eu seja mais que um abraço, um presente, um sorriso insistente.

Hoje, desculpa para gastar todas as minhas frases armadas na ponta da língua,
guardo-as.
Hoje, que é tão seu quanto se pode ser,
nem sei o que dizer.

é que, na verdade, queria te dizer algo que,

enfim,

não tem começo, nem fim.

domingo, 27 de julho de 2008

Bilhete

Eu, que sou amado por poucos, envelheço em passos lerdos. Percebo a inércia dos dias e galgando sobre os comentários coléricos a respeito do meu tênis sujo e minha blusa repetida, sigo em frente.

Avesso, amo e detesto os velhos hábitos sob o mesmo sol.
Louco, sonho com minha mochila-casa à tiracolo, desdobrando o mundo, deixando escorrer por entre os meus dedos torcidos de drama e exagero, cada doce pecado humano.
Tolo, mastigo tudo isso e destorço-me voltando aos velhos dogmas e encarcerado respiro. O meu respirar hipócrita. Preguicinha de ir a fundo, encarar de frente, sair do papel.

Não reconheço mais os meus medos de costume e assim recolho alguns pelas ruas, nos sorrisos forjados ou na insensibilidade dos dias que tenho.
Não sou infeliz.
Pelo contrário, vivo num grande contra-senso de planos que se sobrepõem uns aos outros na certeza de um amanhã que talvez não venha.

Eu lamento ter perdido o rumo e as chaves de casa.
Lamento a falta de afeto e o gosto amargo da ausência.
Lamento olhar para as tantas caixas de mim no armário e ver que, por fim, te guardarei nos perdidos.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Fumo sim.

E ainda sou daqueles que tira o cigarro do maço, cheira, e aprecia cada tragada vendo a ponta do cigarro se avermelhar e voltar ao normal. Quanto mais fumaça esvoaçar pelos ares, para mim melhor. Fumo, e mesmo em pleno sec.XXI, vejo uma enorme lógica para esse ato. Fumo justamente para fugir dessa estética de mundo moderno. Sou ultrapassado sim. Fumo simplesmente para sentar e ver os carros passar. Fumo e ainda digo às patricinhas: “fedo cigarro sim!”. Fumo porque sou influenciado pelos filmes sim. Fumo para zombar do câncer e dizer: “você pode me matar, mas eu não to nem ai”. Fumo para mostrar para o mundo que eu também sei ser ilógico.

Fumo pra zombar do mundo inteiro.
Fumo para ser o avesso do avesso.
Fumo porque me tornei tão grande, que já não caibo mais em mim.

domingo, 20 de julho de 2008

Muito bem, obrigado.

Há certos momentos, como este, em que a plena consciência de se estar feliz é mais uma das razões para não o ser.

Os dias que procedem o êxtase vêm em blocos duros de lembranças belíssimas com as quais todas as minhas outras hão de ser comparadas. As quais me pegarei, sempre, tentando reviver.
Perco-me no meu eu satisfeito, em busca de nada. Completo. Nada me atrai. Tudo me atrai. Problemas não me afligem sobre meu travesseiro gordo. Camaleão cego, caminhando em desapegos sem fim. Em desagrados, decepções, dormências. Tédio.

Não há como segregar sentimentos em mim.
Não sei o que fazer com a felicidade que tenho nas mãos se dependo da velha melancolia, que agora nostálgica, encobre minhas marcas e me faz seco e só.

Penso que, talvez, não saiba ser feliz.
Ou tema, quem sabe, chegar ao topo e perceber que daí em diante, estou fadado a descer.

Voemos.

sábado, 12 de julho de 2008

Cena que passa

Eu e ela na calçada suja de palavras não ditas.

Eu, ela e tudo aquilo de que nos privamos todo o tempo. Insanos. Coitadinhos. O tempo levará nossos sonhos e nosso furor adolescente e em alguns verões mais adiante nos perderemos na vontade de não ser.

Ah sim, eu e ela na calçada de ricas formas intocáveis como a fumaça do cigarro que fumava, como nunca fazia. Olhei para as pedras da casa da frente, cantei meus versos de improviso e recebi-os de volta, sem uso. Meu coração, que se reparte sempre quando diluído em sua presença agridoce, batia calmo. Queria, como sempre, dizer tantas coisas que sutilmente se traduziram num sorriso.

Entrelaçamos os braços para fingir uma proximidade que, talvez, não exista.

Os beijos foram poucos e meus.
Os beijos meus foram muitos.

Ainda na calçada, estou sentado relendo os versos e corrigindo a voracidade que talvez a incomode, refletindo sobre as incoerências do tempo.

Ás vezes quero me desfazer desses velhos dias mas percebo que já são parte de mim.
A parte que com as manchas do tempo sobre as tristezas, agora esquecidas, se tornou bela.

Bela demais.

sábado, 5 de julho de 2008

Manifesto do séc.XXI

Tropicália.
1968.
Revolução cubana.
Woodstock.
Beatniks.


Ficamos nos embriagando no cálice da heróica história do passado e nos esquecemos de fazer nossa própria história. Mas não tem problema. Quando minha falta de atitude me perturba, corro pro violão e brindo minha mediocridade tocando Chico Buarque.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Fronteira

Num passado apagado e remoto, queríamos nos dizer coisas, e queríamos nos enxergar uns nos outros, num desespero frágil, tentando escapar do pesado fardo da solidão.
Paradoxalmente, num ideal de pureza atroz, procuramos universalizar nossos sentimentos, resumí-los a palavras simples. Nos comunicarmos a qualquer custo. Dizer que aquilo que sinto e aquilo que sentem são a mesma coisa. Tolos.

Dessa universalidade, nesse 'hoje' em meio a um mundo de concreto, obra pronta, dicionário hermeticamente fechado, perfeito: não sou mais livre.

Quero poder voar. Quero poder dizer que esse vácuo inenarrável de frios e secas, que aqui guardo, talvez seja algo que não esteja no catálogo.
Quero poder olhar para dentro de mim, e ver, maravilhado, que estou sem palavras para traduzí-lo. Pelo simples fato de que elas - ainda - não existem.

Falo isso pelos meus papéis, que talvez digam mais pelos seus rabiscos, pela mão trêmula que os escreve, ou pelo volume que ocupam na gaveta, do que pelas palavras que contêm.

Falo isso por mim, que já me cansei de virar-me do avesso tentando ir além do entendimento,
sem saber que o avesso é a fronteira do oposto.
E dali em diante não há mais o que dizer,
pois não há quem ouça.

Então chamamos dor.