segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Horizonte

Querido amigo,

estou na encruzilhada do ser, em que estamos todos. Nem princípio, nem fim, como um fantasma. Volto a despertar meus anseios na sede de vê-los concretos, palpáveis e assim jamais adormeço. Com os olhos fundos, o café frio no estômago, o ventre que revira na tradução do medo, sou guerra. Meu caro, descobri que essa lucidez me embriaga. Eu sou todo querer, feliz na busca por algo, por tudo. Estou pronto para partir, mas preso. Tenho epopéias escritas na mente, mas me falta a clareza do herói. Tento lutar, mas não tenho causas ou, quem sabe, as tenho demais e, por isso, sufoco-me. Quero ir embora, sou tolo, não posso com essa paz de convenções.

Querido, queridos, mundo,
quero deixar de ser mil almas em um só corpo e assim não mais cansar-lhes com a melancolia mesma, ou com a felicidade que vem reprisar os meu feitos, eternamente estas. Anseio que percebam que sou eu quem fala a cada tremor de letra cadente, quero ser romântico mesmo no vento mais frio do bar mais escuro, quero ser música.
Quero estar, quando de fato estou.
Um final feliz de razões questionáveis, não quero. Mas sim, um sorriso cativante, alegria duradoura, quero falar macio, suscitar paixões e silenciá-las num peito imperfeito. Quero uma alma que envelheça consciente de si e de suas feridas, resignada com suas rugas. Quero, meu caro, a sabedoria dos que julgam, os tolos. Quero a oração dos pobres, o ar dos asmáticos, a frieza dos médicos. Entenda que busco a pureza daquilo que não se tem.

Busco ter de volta a leveza dos meus gestos, e me ser todo, todo o tempo. Mas não posso. Sequer consigo dizer que o amo sem tropeçar nos meus dogmas.

Estou num penhasco, planejo pular sem asas.