terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Poética

Permanecia insone pela madrugada fria, recostado à janela, absorto e novamente perdido.
Pela fresta da porta, entrecortados, viam-se seus sonhos mais belos. Largou a caixa de desesperos, presos somente pelas fendas da alma, no (para)peito, ao lado do cigarro de maço.

Mais uma vez melancólico, tomando café com a saudade, sorrindo amarelo, sem saber se era aquilo, ser triste.
Era um pobre coitado.

Daquela moldura de assistir pôr-do-sol, de onde via a vizinhança escondendo seus pecadinhos tolos, sofria com filosofias imensas: carga involuntária da vida.
Cansado de tudo, naquela sensação estranha que é viver: uma loucura interna expressa em pequenos anseios enquanto o tempo atropela os passos, um cansaço desse inominável prazer de ser-estar, que se tornou tão ingrato: quando mal chega, quer embora.

Vivia perdido em delícias fugazes.
Sabia verdades de cor e de corpo:
que os artistas não sabem envelhecer
que poesias são verdades de uma tarde
que estar sozinho nem sempre é tão bom

Sabia do pleonasmo que é dizer que um sonho acabou.

Naquela janela-moldura, contando os nós na corda das palavras não-ditas, suspirando calminho e contando até dez, escreveu uns versos.
Queria falar rápido, era todo desespero e as horas se encarregavam de romper o seu cálice de palavras belíssimas.

Um lapso e fim.

Guardou (n)a caixa. Fechou a porta e a moldura. Desbotou o sorriso.
Respirou como um pai.
E quando caiu a noite do avesso, e era dia, se levantou para mais um dilúvio de vozes e quis aquecer o peito para que suas paixões não dormissem numa nova manhã, mas era poeta, e sabia.

Sabia que um peito rasgado na noite cala os instintos, até o alvorecer de novos medos.